sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Inauguração com Verissimo

Inauguro este blog com um texto de L.F. Verissimo, publicado em O Globo, na última quinta-feira, e que merece ser lido pelo bom senso com que o escritor trata a questão da criminalidade no Brasil. Leia a íntegra do texto:

A hora do pânico
Discute-se, de novo, se o agravamento da criminalidade se deve ao agravamento do "social" - outra maneira de dizer que só acaba com outra sociedade - ou se o "social" é irrelevante. No fim, um embate entre o pensamento utópico e o pensamento Washington Luís, segundo o qual a questão social é um caso de polícia - e que continua tendo adeptos fervorosos quase 80 anos depois da deposição do nosso último presidente agropastoril. Parece incrível que ainda se duvide que a guerra urbana num Rio de Janeiro tenha ligação direta com a louca demografia do lugar e que o Brasil está pagando, em horrores repetidos, por anos de descaso e exclusão. Mas o pensamento utópico, que pede paciência e cabeça fria até que este se transforme no país próspero e justo pintado em todas as promessas de campanha, também nega a realidade. Como todas as formas de apelo à razão, se torna inútil na hora do pânico. Diante do último crime hediondo, o pensamento dominante retrocede a antes, até, de Washington Luis, à Bíblia, e não às mensagens de tolerância de Cristo, mas à retribuição rápida e definitiva do Velho Testamento: horror por horror, morte por morte. Na hora do pânico, a racionalidade perde para o instinto de retaliação instantânea, e vá discutir com um instinto decapado, ainda mais com aval bíblico. Quem pede bom senso na hora do pânico se arrisca a ser chamado de um escandinavo fora do lugar, alguém que ainda não entendeu bem que está no Brasil, e antes de Cristo. Quando der para discutir tudo isto com alguma calma seria bom saber a que atribuem a explosiva criminalidade brasileira os que negam que a sua causa seja social, e que somos os responsáveis pelo nosso próprio pânico. Dizer que a culpa é de repressão falha, justiça lenta e leis inadequadas não vale: essas omissões reais são de prioridades historicamente erradas, portanto parte do "social" negligenciado, e um desconserto antigo. O que mudou se não foi o acúmulo de descaso e o agravamento da exclusão? Foi o ingrediente relativamente novo da droga? Ou foi uma reversão do pólo magnético da Terra que de uma hora para outra piorou o caráter nacional?
Fica para outra hora.

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