segunda-feira, 9 de julho de 2007

Sinto Vergonha de Mim


Rui Barbosa

"Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!

De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto."

Ongs e o dinheiro público

Deu no Estadão no domingo: O governo federal destinou R$ 3 bilhões a organizações não-governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) no ano passado, segundo dados do Ministério do Planejamento. O valor corresponde a 1,29% do Produto Interno Bruto (PIB). Do total, técnicos do governo, do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) calculam que quase a metade - perto de R$ 1,5 bilhão - tenha sido desviada da finalidade original dos convênios ou encontrado algum ralo que represente a perda do dinheiro público.

Os R$ 3 bilhões destinados às ONGs significam um valor astronômico, se comparado aos R$ 11,7 bilhões (5,04% do PIB) transferidos também em 2006 pela União aos 27 Estados e Distrito Federal e aos 5.561 municípios pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), royalties pela exploração do petróleo e do gás natural, compensações financeiras devidas pela utilização de recursos hídricos e minerais e os valores pagos pela Itaipu Binacional.

É impressionante a capacidade que o Brasil tem de desvirtuar experiências positivas. O terceiro setor funciona no mundo todo com êxito, numa parceria importante entre governo e sociedade, com resultados indiscutíveis. Mas no Brasil...

domingo, 8 de julho de 2007

Domingo, dia de poesia

Mario Benedetti tem um poema intitulado Somos la catástrofe, inspirado em Octavio Paz, para quem o trabalho dos intelectuais da América Latina é catastrófico. O uruguaio usa sua típica ironia para responder a crítica. Destaco dois trechos, o primeiro e os dois últimos:

"(...) Dice Octavio que en latinoamérica
los intelectuales somos la catástrofe
entre otras cosas porque defendemos
las revoluciones que a él no le gustan

(...) los derrotados mantenemos la victoria
como utopía más o menos practicable
pero una victoria que no pierda el turno
de la huesuda escuálida conciencia

los vencidos concebimos el milagro
como quimera de ocasión
pero siempre y cuando sea un milagro
que no nos cubra de vergüenza histórica
o simplemente de vergüenza."

Tópicos do atraso I


Ilustração: Engenho de cana (Henry Koster)

A Restauração fortaleceu figuras como a do traficante de escravos, que assumiu a função de comissário para explorar fazendeiros.No lugar do empreendedor de obras, surgiu a figura do "afortunado dos corredores políticos", segundo Caldeira, que explica que "o empreendimento será filho do desprendimento a particulares dos ganhos do Fisco". Vale a pena ler esta citação de Raimundo Faoro, do livro de Caldeira:

"Formigavam nos ministérios, nos corredores da Câmara e do Senado, magotes de aventureiros, intermediários e empresários nominais, em busca das cobiçadas concessões, dos fornecimentos, das garantias de juro, das subvenções, para o lucro rápido e sem trabalho das transferências. As dificuldades se dissipam, ao aceno das participações e dos empregos. O segundo Banco do Brasil sofre, ao ser lançado, tenaz e misteriora oposição. O incorporador sente que a obstrução vinha dos candidatos aos cargos de diretor. Só a gratuidade resolve as oposições. A chamada elite agrária, forte e altiva nos seus latifúndios, some diante do ardente círculo dos negócios: ela está subordinada, pelos interesses da escravidão, 'ao monopólio de outros monopólios comerciais'. O patronato político não distribui somente empregos e cargos, ele enriquece e empobrece seus protegidos e adversários, num entendimento que o dinheiro projeta além dos partidos. Os puritanos enrouquecem denunciando escândalos (...) O Segundo Reinado será o paraíso dos comerciantes, entre os quais se incluem os intermediários honrados e os especuladores prontos para o bote à presa, em aliança com o Tesouro. (...) Os agricultores vergados ao solo, os industriais inovadores servem, sem querer, aos homens de imaginação forrada de golpes, hábeis no convívio com os políticos, astutos nas empreitadas."

Caldeira explica que esse período, considerado por ele o "auge do Império", só enfraqueceu com a Guerra do Paraguai e o enriquecimento dos fornecedores paulistas, o que abriu caminho à República. Foi então que, identificando as enormes ineficiências do sistema vigente, fez-se a pergunta: "era necessária a atividade política para controlar o crescimento econômico?".

A semelhança com os dias atuais é assustadora.

Tópicos do atraso


Tela de Portinari

Em 1851, o tráfico de escravos foi extinto no Brasil. Isso provocou um excesso de liquidez no mercado, favorecendo outras atividades econômicas. Vivia-se um período de equilíbrio fiscal e redução das taxas de juro. A tendência era a de isolamento da produção escravista, monetização da produção livre e liquidação das cadeias de endividamento. A nova realidade derivava, em parte, de sacrifícios feitos pelos setores liberais - e antiescravistas - do país.
Mas essa etapa durou pouco. Em menos de dois anos, uma reação conservadora, apoiada pelo imperador português, que ainda exercia influência sobre os rumos econômicos e políticos, mudou o rumo dos fatos. Entrou em jogo a antiga autoridade real para impedir a capitalização do mercado livre. O sistema financeiro foi estatizado e o gasto público incrementado. O primeiro passo, segundo relata Jorge Caldeira, em sem A Nação Mercantilista, foi a tomada do Banco do Brasil, o segundo a realização de um conjunto de obras públicas, a principal delas a estrada de ferro d. Pedro I.
"O que a 'natureza' não mais fazia, o Estado faria: preservar o atraso na liquidação das cadeias de dependência", afirma. Dessa forma, o Brasil assumiu o acordo português da Restauração, abandonando mais uma vez (e não seria a última) os objetivos de crescimento econômico, para "manter a união nacional das clientelas".