domingo, 6 de maio de 2007

O gás da Bolívia



A Bolívia é o país com a maior desigualdade entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres – US$ 12.849 por ano contra US$ 82, uma diferença de 157 vezes, segundo relatório do PNUD/2007. Isso não é por acaso. A história desse país é marcada pela exploração dos recursos naturais e a exclusão da população indígena e chola (mestiços de classe média baixa).
A prata, o salitre, o látex, o petróleo e o estanho foram arrancados do solo boliviano para enriquecer a elite criolla e a colônia espanhola. Por mais de dois séculos, a prata de Potosí alimentou parte do desenvolvimento capitalista europeu. A cidade transformou-se em meados do século 16 na mais povoada, mais cara e mais esbanjadora do mundo, conta Eduiardo Galeano. Toda a riqueza extraída do morro de Potosí foi escoada pelo porto de Arica.
Em troca, a elite em Potosí recebeu vinhos da Espanha e chapéus e sedas da França, cristais de Veneza e perfumes da Arábia. A festa dos senhores era sustentada pelo trabalho dos índios no interior das minhas. A semana inteira, respirando o pó que matava os pulmões. Mascavam coca para enganar a fome. Aos sábados, ao final do dia, soava o toque de oração e saída. No dia seguinte, os trabalhadores emergiam dos túneis para o curto descanso.
Galeano relata que um padre recém-chegado a Potosí, vendo os índios aparecerem nos subúrbios da cidade, com as costas marcadas por chicotes, comentou:

- Não quero ver este retrato do inferno.
- Pois feche os olhos, padre - aconselharam.
- Não posso - disse o sacerdote. - Com os olhos fechados, vejo mais.

De lá pra cá, a Bolívia seguiu seu curso de exploração e pobreza. Em 2005, a vitória de Evo Morales - líder do partido Movimento para o Socialismo (MAS) - foi justamente uma reação da maioria indígena que espera mudar essa realidade. Por isso, um dos primeiros atos de Morales como presidente do país foi anunciar a nacionalização dos hidrocarbonetos - petróleo e gás -, uma possibilidade de alcançar melhores condições de vida para a população boliviana. O gás natural, em especial, é cobiçado por companhias petrolíferas multinacionais em acordo com as classes dominantes bolivianas. Há séculos os indígenas vêem uma chance de sacar das mãos da oligarquia e de grandes empresas o domínio sobre os recursos minerais.
Esse é um dos compromissos históricos, e inadiáveis, de Morales com o seu povo - ainda o mais pobre da América do Sul. É razoável alguém se opor a ele?

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