quinta-feira, 4 de junho de 2009

O Cavalo de Tróia, por Fidel Castro

O presidente do Equador, Rafael Correa, de visita em Honduras, na véspera da reunião da OEA, declarou: "Acho que a OEA perdeu sua razão de ser, talvez nunca teve razão de ser." A notícia transmitida pela ANSA, acrescentou que Correa, "vaticinou ‘a morte’ dessa organização pelos muitos erros cometidos".

Afirmou "que todos os países do continente americano, por condições geográficas, não podem ser metidos ‘no mesmo saco’, e por isso, o Equador propôs há vários meses a criação da Organização dos Estados Latino-Americanos.

"‘Não é possível que os problemas da região sejam discutidos em Washington; devemos criar alguma coisa própria, sem países alheios a nossa cultura, a nossos valores, incluindo, obviamente, países que inexplicavelmente foram afastados do sistema interamericano, e estou me referindo ao caso específico de Cuba… foi realmente vergonha e mostra a dupla moral existente nas relações internacionais’". Ao chegar a Honduras, tanto o presidente Zelaya quanto ele, declararam que "a OEA deve ser reformada e reincorporar Cuba, caso contrário terá que desaparecer".

Outro telex da agência DPA afirma:

"O reingresso de Cuba na Organização dos Estados Americanos (OEA) passou de ser um tema de per si da Assembleia Geral do organismo na cidade hondurenha de San Pedro Sula, para se tornar, mais uma vez, o pretexto de uma luta de interesses que vão além dos limites da ilha caribenha e poderiam pôr em causa (de novo) as relações hemisféricas.

"O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, falou bem claro a respeito disso, quando se referiu ao encontro hemisférico que começa nesta terça-feira em Honduras em termos quase bélicos.

"Será, disse, uma ‘batalha interessante’, em que se for demonstrado que a OEA ‘continua sendo um ministério das colônias’ que não se transforma para ‘se subordinar à vontade dos governos que a formam’, então será preciso pensar em ‘sair’ do organismo e criar outro alternativo."

"‛A América Latina está tornando Cuba a prova de fogo da sinceridade da verdadeira aproximação da administração Obama’ à região, afirmou a especialista no tema Cuba do Council of Foreign Relations de Washington, Julia Sweig, ao jornal The Washington Post, na véspera do encontro hondurenho."

Ao resistir às agressões do império mais poderoso que jamais existira, nosso povo lutou pelos outros povos irmãos deste continente. A OEA foi cúmplice de todos os crimes cometidos contra Cuba.

Num momento ou noutro, todos os países da América Latina foram vítimas das intervenções e agressões políticas e econômicas. Nem um só deles pode negá-lo. É ingênuo acreditar que as boas intenções de um presidente dos Estados Unidos justifique a existência dessa instituição, que abriu as portas ao cavalo de Tróia que apoiou as Cúpulas das Américas, o neoliberalismo, o narcotráfico, as bases militares e as crises econômicas. A ignorância, o subdesenvolvimento, a dependência econômica, a pobreza, a devolução forçosa dos que emigram à procura de emprego; o roubo de cérebros, e até as armas sofisticadas do crime organizado, foram as conseqüências das intervenções e da pilhagem do Norte. Cuba, um pequeno país, tem demonstrado que se pode resistir ao bloqueio e avançar em muitos setores e, inclusive, cooperar com outros países.

O discurso proferido hoje pelo presidente de Honduras, Manuel Zelaya, na Assembleia Geral da OEA, contém princípios que podem passar à história. Disse coisas admiráveis de seu próprio país. Vou-me referir àquilo que expressou sobre Cuba.

"…Na Assembleia da Organização dos Estados Americanos que hoje começa em San Pedro Sula, Honduras, devemos iniciar o processo de sábias retificações de antigos erros cometidos.

"Nós, os latino-americanos que estamos aqui, há pouco, há duas semanas ou meses, tivemos uma grande cúpula no Grupo do Rio, em Salvador da Bahia, Brasil. Aí adotamos um compromisso. O compromisso, que foi adotado por escrito e unanimente por toda a América Latina, é que nesta assembleia de San Pedro Sula, por maioria de votos ou por consenso, devia ser emendado esse velho e gasto erro que foi cometido em 1962 de expulsar o povo cubano desta organização.

"Não devemos sair desta assembleia, caros dignitários, sem derrogar o decreto dessa oitava reunião que sancionou um povo inteiro por ter proclamado ideias e princípios socialistas, que hoje esses mesmos princípios são praticados em toda parte do mundo, inclusive, nos Estados Unidos e na Europa (Aplausos). Hoje, os princípios de busca de alternativas diferentes de desenvolvimento são evidentes na mudança precisamente que houve nos Estados Unidos ao eleger o presidente Barack Obama…

"Não podemos sair desta assembleia sem reparar esse erro e essa infâmia, porque, baseados nessa resolução da Organização dos Estados Americanos, que já tem mais de quatro décadas, foi imposto a esse povo irmão de Cuba um bloqueio injusto e inútil, precisamente porque não conseguiu nenhum propósito, mas demonstrou que aí, a poucos quilômetros do nosso país, numa ilha pequena, existe um povo disposto a resistir e a fazer sacrifícios por sua independência e sua soberania.

"…não fazer isso, torna-nos cúmplices da resolução de 1962 de expulsar um Estado da Organização dos Estados Americanos simplesmente porque tem outras ideias, outros pensamentos, e proclama princípios de uma democracia diferente. E nós não vamos ser cúmplices disso.

"…Não podemos sair desta assembleia sem derrogar o que foi feito nessa época.

"Um hondurenho excepcional, chamado em nosso país — e um dos nossos próceres — José Cecilio del Valle, o sábio Valle, expressou em 17 de abril de 1826, em seu famoso artigo 'Soberania e não intervenção' — acabávamos de proclamar nossa independência do reino espanhol: ‘As nações do mundo são independentes e soberanas. Qualquer que for sua extensão territorial ou o número de habitantes, uma nação deve tratar os outros da mesma maneira que deseja que a tratem. Uma nação não tem o direito de se intrometer nos assuntos internos de outra nação.’"

Com essas palavras de Cecilio del Valle e a menção de Mahatma Gandhi, Jesus Cristo, Martin Luther King, Abraham Lincoln, Morazán, Martí, Sandino e Bolívar, concluiu seu discurso.

Minutos depois, na entrevista coletiva posterior à abertura da Assembleia, respondeu a perguntas e enfatizou princípios. Depois cedeu a palavra a Daniel Ortega, que foi autor de uma das reflexões mais profundas e argumentadas na Assembleia da OEA. Na conferência, discursaram, convidados por Zelaya, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e Rigoberta Menchú, que se expressaram da mesma maneira que Zelaya e Daniel.

A Assembleia está debatendo há muitas horas. No momento em que concluo esta Reflexão, já quase à noite; ainda não há notícias da decisão. Sabe-se que o discurso de Zelaya influiu. Chávez conversa com Maduro e insta-o a sustentar firmemente que não se pode admitir resolução alguma que condicione a derrogação da injusta sanção contra Cuba. Nunca se viu tanta rebeldia. A batalha é, sem dúvida, dura. Muitos países dependem do dedo indicador de uma mão do governo dos Estados Unidos, apontando para o Fundo Monetário, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou qualquer outra direção para punir rebeldias. O fato de tê-la travado é já de per si uma proeza dos mais rebeldes. O dia 2 de junho de 2009 será recordado pelas futuras gerações.

Cuba não é inimiga da paz, nem renuente ao intercâmbio ou à cooperação entre países de diferentes sistemas políticos, mas foi e será intransigente na defesa de seus princípios.

Fonte: Granma

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