terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O exemplo finlandês


Em setembro deste ano, a Folha de S. Paulo publicou entrevista excelente com a presidente reeleita da Finlândia. A social-democrata Tarja Halonen, fala sobre transparência na gestão pública, a corrupção, as relações entre o Estado e sociedade, educação e até meio ambiente. Para ela, a chave para o combate à corrupção é a transparência de informações e a boa remuneração do servidor público. No país, nem os rendimentos individuais são protegidos por sigilo -pode-se consultar os salários de qualquer cidadão. Advogada, Halonen diz temer que a Amazônia seja afetada pelo avanço da produção de álcool e que seu governo pode ajudar a preservar a área. Halonen, aliás, foi reeleita para mais seis anos de mandato.


ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A HELSINQUE

Não é só a baixa temperatura do verão (que chega a cair até 8C durante o dia) que surpreende o brasileiro em Helsinque, a capital da Finlândia que será visitada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os próximos dias 9 e 11. O maior impacto é constatar as razões que fazem da Finlândia o país com menor índice de corrupção do mundo, ao lado da Islândia e da Nova Zelândia.
Os segredos, segundo contou em entrevista à Folha e ao "Valor" a presidente Tarja Halonen, 63, são a transparência e um bom salário para os funcionários públicos. Membro do Partido Social-Democrata, Halonen foi eleita em 2000, para mandato de seis anos, e reeleita no ano passado. Ela é a primeira mulher a ocupar o cargo na história da Finlândia.
Além de não ter corrupção perceptível, a Finlândia se orgulha de preservar o ambiente (dois terços do território são florestas e há 190 mil lagos) e do ensino gratuito a todos, do básico à universidade.
Halonen -uma senhora de cabelos vermelhos e curtos e de fala pausada- começou a entrevista lembrando que já esteve quatro vezes no Brasil, a primeira para a posse de Fernando Collor, em 1990. Lula, por sua vez, será o primeiro presidente brasileiro a visitar a Finlândia -mas não o primeiro chefe de Estado, pois d. Pedro 2º já lá esteve.
Em relação à política brasileira, ela comentou, bem-humorada, seu espanto diante do troca-troca partidário. ""Compreendemos que uma pessoa possa se casar duas, três vezes, mas mudar de partido é incompreensível."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.




PERGUNTA - A corrupção existe nos países pobres e ricos, mas, nos primeiros, tornou-se uma praga que afeta o desenvolvimento econômico e social. Como a Finlândia controla a corrupção?
TARJA HALONEN - Obviamente sempre é bom ter mecanismos de controle, mas o mais importante é a administração ser aberta. Se a preparação e a elaboração das decisões políticas, dos convênios e dos tratados são públicas desde o início, é impossível que a corrupção tenha lugar na tomada de decisão. A administração aberta está relacionada não só ao setor público, mas ao setor privado também.
Outra coisa importante é que os salários sejam suficientes. Não estou falando do Brasil, mas, em muitos países, os funcionários ganham tão pouco que são obrigados a buscar dinheiro em outra parte. Se a pessoa não consegue se sustentar com o salário que recebe, a tentação da corrupção é muito grande. Mas tem gente que nunca está contente.
PERGUNTA - E como controlar os que nunca estão contentes?
HALONEN - Há um debate no país sobre a insatisfação das enfermeiras. Todos concordam que seu salário não é bom, e muitas procuram ocupação em outra área. O debate político é se vale a pena formar tantas enfermeiras se elas não vão exercer a profissão. Uma alternativa para elas seria a corrupção, mas isso não é aceito.

PERGUNTA - No Brasil, o rendimento salarial é protegido por sigilo. Os salários [de ocupantes de cargos públicos] são divulgados pelo governo, e os vizinhos denunciam a existência de sinais externos de riqueza incompatíveis com a renda.
HALONEN - Temos obrigação de informar nossos salários e se temos propriedades, para pagamento de impostos. Se as autoridades de fiscalização constatam que os bens não correspondem aos ganhos, exigem explicação. Os patrões têm obrigação de reter um percentual dos salários para a Previdência. O trabalhador pode tentar negociar com o patrão para que ele informe só parte do salário ao governo, mas, como a aposentadoria é proporcional ao salário, isso não convém [o assalariado pode se aposentar aos 63 anos, com 60% da média salarial dos últimos quatro anos, ou aos 68, com 80% do salário]. Todos os salários e impostos pagos pelo funcionalismo público são informação pública. Isso não é agradável, mas há que se acostumar.

PERGUNTA - A experiência educacional finlandesa é muito positiva. O que fazer para melhorar um sistema educacional que não é bom?
HALONEN - É muito importante ter coragem de alocar os recursos no ensino básico e criar uma base sólida, pois dessa maneira é possível desenvolver a justiça social. A responsabilidade pela educação é do poder municipal, mas o Estado tem, por lei, que dar subsídios às áreas mais necessitadas. Outro ponto importante é que as universidades e instituições de pesquisa estejam conectadas com a vida comercial e laboral. A universidade na Finlândia recebe apoio do Estado, mas tem total autonomia.

PERGUNTA - A Finlândia tem uma uma economia liberal, mas com forte presença do Estado. Em que atividades o Estado é necessário?
HALONEN - O sistema de bem-estar nórdico se baseia no Estado. Os serviços sociais e de saúde são construídos com fundos públicos. Temos médicos particulares, mas os hospitais são públicos. A administração da educação é majoritariamente pública. Não temos universidades privadas. Quanto aos meios de comunicação, a imprensa escrita sempre foi privada. A radiodifusão começou com recursos públicos, mas agora também há canais privados. A presença estatal é necessária em setores que, como energia e infra-estrutura, requerem muitos investimentos.

PERGUNTA - O modelo neoliberal é impeditivo do desenvolvimento dos países pobres?
HALONEN - Achamos que as decisões que repercutem em várias gerações têm de visar justiça e igualdade social. As crianças não podem escolher seus pais, então o Estado tem que apoiar as famílias com crianças. Investir nas crianças, nos adultos e no meio ambiente -este é um dos temas que unem Brasil e Finlândia.

PERGUNTA - A Finlândia se preocupa com a situação da Amazônia? Em que poderia ajudar a preservá-la?
HALONEN - Os países que compartilham a Amazônia têm estudado muito o tema nos últimos anos. Temos interesse nas riquezas naturais da região e gostaríamos que as pessoas que moram nela, em condições primitivas, pudessem conservar o entorno onde vivem. Um dos temas que vamos aprofundar com Lula é a exploração de madeira. Queremos mostrar nossa experiência de preservação e desenvolvimento sustentável.

PERGUNTA - A senhora teme a devastação de florestas para a produção de álcool?
HALONEN - Estamos muito preocupados, naturalmente. Mas os brasileiros também estão. Não quero me meter na política interna do Brasil, mas temos muitas experiências sobre o direito de possessão e o registro de terras. A maior parte das matas da Finlândia pertence ao Estado, e temos uma longa negociação com a população indígena, ao Norte. Conheço bastante a questão da terra no Amazonas. Temos participado de projetos de cooperação e apoio a seringueiros. As situações não são iguais, mas podemos ajudar os brasileiros a resolver essa questão.

PERGUNTA - O que mudou no país sob a gestão feminina?
HALONEN - As mulheres finlandesas conquistaram direitos políticos há cem anos, e a Presidência era o último posto que não tinham alcançado. Eu acho que a maior mudança é psicológica. É muito importante que as crianças saibam que, seja garoto ou garota, qualquer um pode chegar a ser presidente de seu país, e ser o que quiser.

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